segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

A verdadeira natureza das coisas

Um dia alguém disse:

(I always felt that the great high privilege, relief and comfort of friendship was that one had to explain nothing) - de alguém com muita razão, cujo nome não me recordo.



Existem palavras. Existem gestos. Existem amigos.


Ou existiam?


As palavras penetram
Magoam, doem.
E ficam.



Talvez um dia,
Talvez uma vez,
Se a poeira do tempo
Levantar a esqualidez
De algo que nunca devia ter sido um momento
Talvez assim, as palavras já não doam
Já não firam
Já não fiquem.



Mas o esquecimento nunca traz paz.
Só atenua o que não pode ser atenuado.
Só amansa o que não deve ser sentido.
E lá permanecem as coisas más.


Remoendo, endurecendo, triturando
A raiva de não puder deixar de sentir
O que não queremos. O que não somos.


Tudo palavras. Tudo sentimentos.
A alma está farta.

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Os dias

Sentir a amargura dos dias,
apagados, sombrios, fugazes,
como se o acordar da noite
despertasse em mim o mais
simples deslumbramento descontente

Sentir o desligar da corrente
a efemeridade longa de um dia
que nunca foi, apesar da estranha alma
que habita em mim
querer desesperadamente tornar real
o que de tão real que é
não pode realmente existir

Sentir a inexistência do universo,
agarrando os pensamentos pensados
de alguém que não quer sentir

Os dias? Longas esperas,
longas continuidades descontínuas
que se arrastam no tempo,
trazendo consigo
a dor de quem nunca sentiu.

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

O esforço

O som sibilante das folhas das árvores, arrastadas pelo vento, é inconfundível. Uma sensação de tranquilidade, de paz de espírito, … parece que as folhas têm vida e, por momentos, sacodem a pressão de ser folhas, de ter que cair no Outono e florescer na Primavera, de não poderem ser roxas, de não poderem agradecer ao vento por as fazer sentir vivas! Vida de folha não é fácil, engane-se o leitor!
Sentada no capim, verde-amarelado, sentindo as folhas fazendo-me cócegas, apreciava a paisagem verde-azulada. Como, em não raros momentos da vida, nos esquecemos de apreciar a beleza inexplicável da Natureza, os seus segredos e fantasias, confidências e emoções. Se fosse só o ser humano a sentir-se pressionado, a sentir-se comandado por factores exteriores à sua vontade… também a Natureza sente na pele o fardo de assegurar que o mundo continua com esta magnificência, tantas vezes ignorada e incompreendida pelos Homens!
Só o verdadeiro autor da sua “obra” sabe o seu valor inerente, o valor que provém de um esforço equiparável a mil gotas de suor derramadas debaixo da principal fonte emocional da terra. Por vezes o esforço não é reconhecido, e uma sensação de dever não cumprido ilumina a nossa chama de revolta interior, tantas vezes aquecida pela raiva emanada dos nossos fervorosos corações.
Mas gosto de pensar que tudo vale a pena e que o esforço e o valor das coisas é subjectivo. E embora sinta que o ser humano tem uma necessidade tremenda de saber o seu esforço reconhecido pelos outros para sua própria realização pessoal, por vezes não dá o devido valor ao seu auto – reconhecimento. E o “outro” devia contar, se tanto, como o “eu”.

sábado, 3 de novembro de 2007

Uma corda

Uma corda

Puxa
Segura
Prende
Sufoca
Amordaça
Chicoteia

E a corda

Prende-nos às correntes do dogmatismo
Sufoca toda a alegria de viver
Amordaça o sorriso, a vontade de querer mais
Chicoteia tudo o que se demonstrar uma afronta

Mas, se tivermos audácia
Ela segura-nos
Puxa por nós
Salta as barreiras do impossível
Prende o inatingível
Solta a vontade de vencer e triunfar
Sufoca toda a tristeza
Amordaça as derrotas

A corda
É o que nós fazemos dela.

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Luzes apagadas : fim da linha !

CAPÍTULO I
E se um dia as luzes do meu quarto se apagarem? E mesmo que eu faça tudo para as voltar a acender, elas simplesmente não ligarem?


Num sono profundo, adormecido, me encontro. As luzes estão apagadas. Faço um esforço por esticar a mão, entorpecida, depois de uma longa noite de sono intenso. Nem os sonhos invadiram este descansar mole e sedento: deixei-me levar pelo desligar da alma, num momento em que todas as minhas breves forças precisavam de ser carregadas. Agarro o candeeiro e acendo a luz. Não acende. Tento outra vez. Desligada. Um arrepio percorre-me a espinha. Sento-me à beira da cama. Os meus músculos contraem-se e sinto um mau estar generalizado pelo corpo. Olho à minha volta e tudo me parece diferente, embora a disposição do quarto esteja exactamente no mesmo lugar. Há algo diferente no ar, pressinto – o. Um cheiro estranhamente familiar invade a atmosfera, envolvendo-me de uma forma tão invulgar como acolhedora.



Grito. Chamo. Choro. Estou sozinha. Solitariamente abandonada. A espera é longa, dolorosa e o frio continua a habitar a minha alma. Estarei vivamente morta? Segurada apenas pela linha ténue que separa a luz das trevas?



As luzes continuam apagadas. E as segundas oportunidades desvanecem-se, tal e qual as nuvens num dia de sol amargurado, raiando apenas porque assim destinou a mãe natureza, e tudo o que rege a nossa estranha forma de viver.
O telefone toca. Uma vez, duas vezes, até aparentemente se cansar de ser ignorado. Levanto-me da cama e decido enfrentar mais um dia.

»»continua
p.s Depois de uma ida ao cemitério !

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

Contemplar



Sentada no parapeito da minha janela, observo, contemplo, suspiro. Um pássaro sobrevoa o prado, e com ele toda a leveza de espírito com que desesperadamente anseio. Fosse ao menos a minha alma tão puramente singela como o seu bater de asas levemente lento, e eu seria livre.
Liberdade?
Talvez.
Ignorando tudo e todos, como se o mundo fosse só ele e o seu bater de asas discreto e amplo, querendo agarrar o mundo, o céu, o tempo e o espaço, confundindo-se com o céu azul e o ar quente, ele continua a voar, a planar, a sentir e a não sentir, sabendo que fará aquilo com a mesma certeza o resto da sua alegre e inconsciente vida.
Certezas?
Duvido.
Querendo ser mais do que aquilo que foi destinado, alcança o limite do horizonte, num voo tão alto e tão profundo que o céu rasga-se, abrindo-se uma lufada de ar fresco, e ele mergulha, na suprema fugacidade que dura um momento.
Querer mais?
Sempre.
Mergulha tão intensamente na paisagem aberta que parece que carrega pesadamente o fardo do mundo nas suas costas.
Fardos?
Todos temos.
Sustenho a respiração. O mundo continua apesar de apenas estar sentada a contemplá-lo. O mundo continua apesar do pássaro incessantemente lutar contra ele. O mundo continua apesar de continuamente pensarmos que, por momentos ele pára, e podemos desfrutá-lo com toda a calma e serenidade que tanto esperamos alcançar.