terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Luzes apagadas : fim da linha

capítulo II
A dolorosa longa espera dos dias reflectem-se no pesar dos meus passos, que se arrastam, como folhas amarrotadas pela chuva que se deixam cair das árvores, num aparente grito de fúria, cansadas de ver passar a liberdade e fartas de figurar num mundo onde a vida não é mais do que isso mesmo, a longamente eterna espera dos dias.
A minha alma guia-me através dos cantos da casa. Confusamente continuo aqui, ainda. A luz ofusca profundamente a sala, sombria e gélida. Uma onda de calor invade o espaço, antevendo algo de refrescantemente bom. O ranger pesaroso dos meus passos lembra o que outrora já se ouviu nesta casa. O barulho das crianças a pular e a saltar, as gargalhadas, a melodia dos seus sorrisos, a simplicidade dos seus gestos e a imensidão de bondade enchiam esta casa vazia e macambúzia. Tudo isto é agora, tristemente, apenas lembranças de um passado que não se sei bem se existiu, ou fruto do desejo cego de não me sentir sozinha.

Ring ring ring. O telefone toca outra vez. Atendo.

- Estou? – a voz soava distante, recôndita.

- Sim, quem fala?

- Eu sei que talvez não seja o momento mais indicado, mas precisamos de esclarecer tudo. Finalmente percebi tudo o que na altura me parecia incompreensível.

- Desculpe, deve se ter enganado no número, não estou a perceber o teor da conversa e lamento mas não a conheço.

Um longo e desesperante silêncio do outro lado da linha.

- Estou? Estou? – gritava furiosamente, chateada por algo que me parecia escapar entre a mente e o corpo.

A chamada caíra. A porta para o outro mundo fechara-se. E eu continuava profundamente sozinha.



Que chamada mais invulgar. As palavras continuam a ecoar na minha mente, como se me fizessem recordar algo há muito esquecido, algo há muito perdido. Não consigo deixar de atribuir alguma familiaridade bizarra à sua expressão vocal, ao modo de respirar e de entoar as palavras. Associações estranhas de quem passa muito tempo sozinha. Talvez.

O quarto continua desarrumado, confinado a um espaço ínfimo naquela casa pequena e acolhedora. A janela é o único lugar onde a sua pequenez não se faz notar, dando lugar a uma vista grandiosamente bela. As pessoas atarefadas caminham sobre a calçada e o tempo não pára. Passam os segundos, os minutos, as horas e assim mudam os semáforos, os peões atravessam a passadeira e os carros buzinam, com o nervosismo da civilização moderna imbuído na sua forma de viver. O mundo corre e eu aqui parada, vendo, o que não é mais do que uma invenção dos homens, o tempo, passar.